Por Augusto Bisson
Seria uma parte da classe média brasileira suficientemente culta e bem informada para opinar com perspicácia sobre política e resultados eleitorais ? A julgar por uma série de opiniões emitidas neste Facebook – local onde a eleição ainda é pauta – a resposta seria um sonoro “NÃO”.
Quem votou em Aécio Neves (PSDB) exclusivamente porque está escandalizado com a “roubalheira na Petrobrás” e com a “corrupção”, ansiando pela alternância de poder, têm o meu respeito, se é que isso importa alguma coisa, e está excluído de minha premissa – com a devida discordância pelo caminho escolhido. Meu foco, porém, são os que, inconformados com a vitória de Dilma Roussef (PT), permanecem vociferando contra a ameaça de “cubanização”, “bolivarianismo” ou implantação do comunismo no Brasil sob o governo do PT.
Bem, só quem tem mais de 60 anos deve ser perdoado por soltar essas sandices - assim como se é tolerante com gases involuntariamente expelidos por vovós quando tentam se levantar de suas cadeiras de balanço. Afinal de contas, esse pessoal se criou num mundo polarizado pela disputa Capitalismo (EUA)- Comunismo (União Soviética), vivendo sempre sob risco de uma guerra nuclear. O inconcebível, o inaceitável, porém, é ler a monótona repetição desse discurso alucinado por parte de quem é da minha geração (54 anos) ou, pior, está numa faixa etária muito abaixo dela.
Como sugeria o falecido Paulo Francis, os avanços tecnológicos e a disseminação da informação só influenciam 10% da Humanidade, se tanto. A maioria, porém, permanece nas cavernas em termos de civilização. Imagino que pensasse no caso brasileiro, já que é impressionante a quantidade de gente socialmente bem posicionada – com acesso livre e diário à Internet e à TV a cabo – que vive no passado. E ainda tem a capacidade de falar, congratulando-se pela sua “sabedoria”, da “ignorância” dos nordestinos que votaram em Dilma.... Ora, a configuração geopolítica do mundo mudou. No hoje distante 1989, o Muro de Berlim caiu, reunificando a Alemanha. No mesmo ano, os chamados “países satélites” da URSS (Romênia, Hungria) abandonaram o comunismo. A própria União Soviética se desintegrou em 1991. A China, ainda governada pelo Partido Comunista, virou um grande centro de investimentos internacionais. A questão "comunismo", portanto, está completamente fora de moda no mundo moderno há 25 anos. Os EUA não falam mais no assunto. A preocupação do Departamento de Estado agora é o extremismo islâmico.
Esse é o cenário internacional hoje, que já foi amplamente divulgado até, ou, principalmente, por VEJA e pela TV Globo - as quais parecem ser as únicas fontes plenamente “confiáveis” por uma certa parte das classes média e alta brasileiras. Só que a mídia brasileira insiste em requentar esse prato mofado, servindo-o à classe média tola- que o engole como se fosse o banquete do dia.
Ah, perguntarão alguns, mas e Cuba e o porto que o governo do PT construiu lá ? Ora, como eu não me canso de escrever aqui – inutilmente, pelo jeito – esse empreendimento foi elogiado até pelo jornal O Globo, pois empregou material produzido no Brasil e será um escoadouro de nossos produtos na América Central. Quando Fidel Castro morrer, digo eu, e for iniciado algum processo de transição econômica e democrática naquele cocô boiando no meio do Caribe, o país terá uma extraordinária base para negócios lá. Até o New York Times defende o fim do bloqueio americano à Cuba – pensando, nisso, os negócios. E Portugal, vejam bem, Portugal, também trouxe médicos de Cuba há alguns anos, para realizar atendimento comunitário – sem que ninguém por lá invocasse o “perigo vermelho”. Oh, gemerão alguns, mas tem a Venezuela Chavista.
Bem, ela é uma democracia bem mais sólida e profunda do que a brasileira, onde o voto, ao contrário do Brasil, não é obrigatório. Sendo assim, se a oposição a Chaves e a Maduro não conseguiu derrotá-los, é porque não teve competência política para agregar a sociedade venezuelana em torno de um projeto alternativo ao deles. O que muita gente parece incapaz de entender é que, na frase de Winston Churchill, um país não tem amigos, mas interesses. E os interesses econômicos do Brasil têm maior possibilidade de lucro nesses paisecos. Foi a Odebrecht que construiu o Porto de Mariel e, através de uma subsidiária, já se meteu no negócio do açúcar em Cuba.
O que o Brasil vem fazendo nos últimos anos é o maior processo de inclusão social jamais tentado em nossa História. É até constrangedor a gente ter de repetir, mas isso tudo é realizado dentro de um projeto político capitalista que não toca nem de leve no patrimônio dos endinheirados, não podendo, sequer, portanto, ser chamado de socialdemocrata europeu – e eu gostaria de ver o que vocês achariam dos impostos que se paga sobre a renda na França e na Dinamarca, caso resolvam fugir para lá. Sendo assim, o capitalismo não é nem de longe ameaçado no Brasil por uma “ditadura comunista”. E nem por um regime militar...aviso logo aos que têm uma ereção ou molham a calcinha quando veem fardas. A economia brasileira se tornou muito complexa e intrincada para ser gerida por um governo autoritário, o qual seria incapaz de administrar interesses contraditórios. Tanto que a preocupação de Dilma no momento é encontrar um Ministro da Fazenda que seja, pelo menos, tolerado por esta entidade mítica, respeitosamente chamada pela mídia de...o “mercado”.
Por fim, só haveria um coisa que me faria acreditar que o comunismo está chegando o Brasil, Nico Bueno: se os médicos brasileiros se oferecessem para tratar do Ebola na África. Aí, acho que muita gente pegaria em armas para fuzilar esses "comunistas"