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sexta-feira, 15 de março de 2019

A Falácia do "Padre Fábio"


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Um suposto texto do Padre Fábio de Melo, conhecido por ser padre e artista, formado em teologia e filosofia, está circulando nas redes sociais, no qual ele teria apresentado possíveis motivações para o massacre ocorrido em Suzano. No texto, o autor procura eximir de responsabilidades o governo mesmo diante do fato de que este, desde sempre, cultua o uso de armas e a violência como meio de solucionar conflitos, além da estratégia de eliminar “inimigos” através da morte; cita em sequência,  também excluindo das possíveis causas de tamanha tragédia, jogos violentos, o bullyng e a omissão das escolas (não especificou em que sentido). Em seguida, nomeia como causa a desestruturação das famílias, a falta de diálogo, este  substituído por redes sociais e ainda, os “presentes” como moeda de troca para se cumprir direitos e deveres e por último, o que ele chamou de “desconhecimento de deus”.

Abaixo, uma análise a respeito do discurso atribuído ao padre, o qual levarei em consideração como fundamento de sua análise, a formação religiosa e moral familiar deste, e que representa bem grande parte da ala conservadora de nossa sociedade. Isto, porque a  "moral e bons costumes" ditados pela formação religiosa, influencia na compreensão de conceitos como família, estruturas sociais, deus, deveres e direitos, escola e sobretudo, governo como Estado – instituição político-administrativa responsável pela manutenção da lei, ordem, dignidade e sustento de toda a sociedade nas áreas da educação, saúde e segurança.

Relembrando crimes cometidos contra estudantes no Brasil, estes tiveram início em 2011, em uma escola situada no Rio de Janeiro, Realengo, com saldo de 22 feridos e 13 mortes (incluindo o assassino). Em 2017, no Estado de Goiás, além de 2 óbitos, uma aluna ficou paraplégica e três gravemente feridos. Em Janaúba, MG, no mesmo ano, uma creche foi incendiada por um segurança, deixando um saldo de 14 mortes e 37 feridos com queimaduras severas.

Analisando os casos, o que há em comum entre os crimes é a expressão e manifestação  do ódio, da vingança e da determinação de pessoas que aparentemente, possuíam como motivação, no caso dos dois primeiros, a prática do bullyng e no último, indícios de doença mental, a esquizofrenia. Em todos os crimes, a incapacidade do indivíduo em lidar com as dores pessoais, provocadas por negativas ou críticas destrutivas por parte do outro, é latente.

Mas o que de fato chama atenção para tais práticas, é a reação da sociedade e dos governos diante dos massacres. Contextos que devem ser considerados estão sendo esquecidos propositalmente por alguns ou por puro desconhecimento ou ausência de uma reflexão mais profunda, por outros . Se analisarmos os países em que há maior incidência deste tipo de crime, entenderemos que o fator socioeconômico, é irrelevante para determinar ou ao menos se relacionar às causas. Alemanha, Canadá, Estados Unidos, são campeões em matéria de massacre de estudantes, países em que o desenvolvimento econômico é historicamente superior ao do Brasil.

Porém, o contexto sociocultural, e no caso do Brasil especificamente, somado ao contexto sociopolítico , são determinantes para se compreender não a motivação em si (uma vez que é individual e somente quem praticou o ato é que será ou seria capaz de explicar de forma contundente), mas o conjunto de fatos que influenciam, facilitam e ainda, por negligência, permitem que tais massacres aconteçam.

O padre Fábio, não compreende tais contextos, ou não os identifica como facilitadores ou influenciadores, já que para ele, a desestrutura familiar não se relaciona com a cultura dominante ou com o Estado e as negligências na execução de suas prerrogativas como poder público e administrador da sociedade. O Padre precisa compreender que existem inúmeros fatores que causam desestruturas em famílias, além da falta de uma religião. A própria educação moral da sociedade brasileira é violenta, machista, misógina, homofóbica, racista. Sendo o país um dos maiores redutos da fé cristã, crescemos sob a dominação da moral punitiva, excludente, severa. Logo, em famílias “estruturadas” sob esta moral, principalmente as famílias tradicionais e consideradas de “bem”, onde o modelo familiar é o da união hétero-cristã, a violência e o massacre são particulares, não publicizados ou não executados em forma de crime em massa. Sob este aspecto e considerando todos os estereótipos criados pela moral familiar hétero-cristã patriarcal da sociedade brasileira, o fator “educação familiar” como fundamento para a formação do caráter de um jovem, talvez se constitua o fator mais relevante como contribuição para a eclosão do ódio e matança.

Famílias que se negam a progredir em relação aos direitos coletivos, cultuadores de uma moral que segrega e ridiculariza pessoas diferentes, amantes do caráter violento que prega o culto às armas e usa a violência como resolução de conflitos, homens que submetem mulheres a agressão doméstica por crer em sua “inferioridade” de gênero, radicais religiosos que enxergam a homossexualidade como crime contra a natureza humana e uma lista infinita de posturas radicais, conservadoras e carregadas de discursos de ódio, são um celeiro para a projeção de inimigos imaginários, contra os quais, jovens incapazes de lidar com a própria dor , se constituem por assassinos impiedosos, com armas de fogo, machadinhas e bestas, como aqueles heróis dos jogos em que, se perderem, podem começar a jogar novamente, contrário do ceio familiar em que, negligenciados pela própria moral, a morte lhes cai bem.

Entra em cena então, o contexto sociopolítico. Sabemos que desde a queda da ditadura, é a primeira vez que a relação entre a população e o Estado tem experimentado (de uma perspectiva otimista), certa liberdade de expressão facilitada principalmente pelo uso massivo das redes sociais. Atualmente, é possível debater assuntos polêmicos e manifestar opiniões, independente se estas são consideradas politicamente corretas ou não e com a liberdade que provavelmente, nem em casa diante da família, é possível. Nas redes sociais e aí, concordo com o padre quanto a falta de diálogo familiar, substituído por tecnologia, podemos interagir em tempo real com pessoas de várias partes do Brasil e do mundo e falarmos de absolutamente tudo, inclusive em grupos fechados que atraem pessoas com a mesma ideologia ou filosofia de vida. E é neste momento que entra a responsabilidade do Estado, como administrador da sociedade constituída por forma e sistema de governo, leis e regras de conduta: O Estado tem cumprido suas prerrogativas a ponto de se não evitar, ao menos identificar possíveis condutas de risco dentro das escolas, nos bairros, nas cidades?

Quando cito o “Estado”, incluo todas as estruturas possíveis, que se submetam a sua gestão sob a propositiva de um Estado-nação. Inclusive a estrutura familiar. É dever do Estado combater todo o tipo de discriminação, preconceito, prática da violência. É dever do Estado aparelhar as escolas, os hospitais, as praças, as instituições de segurança pública, contra crimes de quaisquer naturezas, inclusive o crime contra a natureza. É dever do Estado, através das escolas, dos conselhos tutelares, e de diversas outras instituições que atuem diretamente como interventoras no processo de construção social, usar de todos os meios possíveis para se promover a conscientização sobre igualdade de direitos, direito à diferenças, a liberdade de escolha, para que assim promova harmonia e a segurança de todos.

Logo, o padre Fábio falou a partir de seu quintal, de sua criação, de sua moral religiosa. A igreja tem criado e fomentado um deus vingativo, é só ler as cartas deixadas pelo aluno em realengo. O Estado tem incitado à violência, tem cultuado as armas e tem pregado a morte de inimigos. Tem sido historicamente omisso no que se refere as estruturas das instituições públicas imprescindíveis para a atuação em casos de desestrutura familiar.

O padre Fábio, criou uma falácia.
Não repitam.
Marcia. Professora de História
Mestranda em Educação e Docência.