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sábado, 30 de março de 2024

Sobre o fatídico 8 de Janeiro

 o "8 de janeiro de 2023"


Foi um dia emblemático. 

Estava em casa, quando a tv e a internet começou a transmitir a invasão ao Planalto. 

Fiquei boquiaberta com a atitude dos chamados "cidadãos de bem". 

É fato que estavam se preparando há tempos, mas creio que ninguém imaginava que seriam capazes de fazer o que fizeram, apesar das demonstrações de desequilíbrio que pipocavam nas redes sociais. 

Confesso que assistir aquela depredação em tempo real, me assustou muito. Pensei por um instante que decretariam algo, ou que o exército se manifestaria. Mas até então, a palavra golpe, me soava como algo inalcançável considerando o déficit cognitivo do ex-presidente, seus aliados e eleitores. Mas, subestimamos essa gente. 

Hoje sabemos que estivemos por um triz. Até minuta de golpe fizeram. Essas pessoas acreditavam piamente que as forças armadas tomariam o poder e eles seriam "salvos" da "ditadura comunista". 

E é este o ponto que me deixa estarrecida. Essa gente toda, que em nome de "deus, pátria e família", invadiram o planalto, depredaram o patrimônio público, ameaçaram os ministros do Supremo de morte, choraram, gritaram, agrediram agentes da segurança pública, cagaram literalmente no planalto, acreditando que faziam tudo isso em nome da luta pela "liberdade". 

"Mas o que está acontecendo com essa gente?", pergunto eu! Estamos em pleno século XXI e é difícil acreditar que pessoas adultas estão agindo deste modo, por medo de um tal "comunismo"!

E aí, só consigo pensar: "O que nós professores de história fizemos essas últimas décadas em sala de aula? "

Onde falhamos? Não lecionamos história? O que aconteceu para que pessoas adultas, pessoas que passaram pelo ensino fundamental, médio, não fossem capazes de entender que o Brasil NUNCA FOI UM PAÍS COMUNISTA! Nem se João Goulart tivesse implementado as reformas de base, que foram o estopim para o golpe de 64, ainda assim, não seríamos um país comunista! 

Não há como ser um país comunista em pleno século XXI, onde o capitalismo já abocanhou todas as economias do mundo e dita as regras para sobrevivência neste cenário. 

Não há como, é impossível implantar um comunismo dentro do sistema capitalista! 

Quem comanda o mundo é o capital! Quem dá as cartas de quem deve comer, quem pode consumir, quem pode viver, e quem deve sobreviver apenas, é o capital! 

Não tenham medo do comunismo! O comunismo nem existe! Foi uma teoria criada por alguém que acreditava na distribuição das riquezas como meio de se alcançar a justiça social. Mas foi só uma teoria gente, não foi uma forma de governo implementada, não foi um regime, não foi nada. Comunismo não passou de uma teoria! "Ah, mas e a URSS? E Cuba? E Venezuela?". Também não o foram, não o são. URSS implementou um regime de governo sob a alcunha de socialismo, mas não era nem de longe. Aplicou alguns princípios como estatização e reforma agrária, mas ao mesmo tempo implementou uma ditadura sangrenta, perseguição aos opositores e uma série de medidas que nem de longe faziam parte da teoria criada por Karl Marx! Cuba não é socialista, não é comunista! Cuba promoveu uma revolução e a nomeou de socialista, em oposição ao capital que massacrava, explorava seu povo, e por isso sofreu os piores embargos do sistema capitalista que é o sistema que comanda o mundo! Até hoje, as mazelas do embargo confinam a ilha, que luta desesperadamente para sobreviver e ter autonomia, mesmo diante dos embargos, dos boicotes, das políticas de opressão do sistema capitalista! Venezuela??? Socialista??? Então qualquer governo de qualquer país que se opuser aos princípios do capital e tentar alcançar autonomia é comunista? Precisam estudar, estudar e estudar! 

A realidade é que infelizmente , o mundo jaz no capital que não deu certo e mata milhares e milhares de pessoas no mundo todo, mas que por se estabelecer sob uma falsa ideia de liberdade individual, escraviza o povo e submete grande parte da população mundial às condições de vida sub-humanas. Mas isso não importa, não é? Não é você. Então, acredito que fazem isso, só pra brincar de politizados ou de lutadores pela liberdade e aí se arregimentam pra lutar contra o "monstro" que criaram e mostrar ao capital que na verdade, são subservientes e bons escravos, nada mais. 

Fiquem tranquilos, fiquem em paz. A justiça social está longe de ser alcançada. Com essa mentalidade, não haverá justiça social neste planeta e vocês poderão continuar humilhando o porteiro, pagando mal a faxineira, usufruindo das universidades públicas no lugar dos pobres, sem serem incomodados. Só tomem cuidado, porque agora tudo é filmado e cai na rede e se cai na rede, vira peixe. Mas os seus racismos, os seus elitismos, seus complexos de superioridade infantil, suas mentalidades retrógradas, ainda existirão por longo tempo... 

Afinal, nem Jesus que se dizia Filho de Deus, que inspirou ao cristianismo e que muitos "cidadãos de bem" sem saber, declaram ser cristãos... pois nem Ele foi capaz de implantar a justiça social, e por tentar, foi torturado e morto por suas palavras que pregavam justiça e igualdade!

Fiquem bem, fiquem em paz. O comunismo não tomará seus bens. Só os bancos farão isso. Então, parem de palhaçada, de criancice, de mimimi e voltem para o trabalho. Porque se você não é herdeiro(a) ou não faz parte dos super ricos, você precisa trabalhar e muito para se sustentar... Como é que vai comprar sua passagem de avião no cartão de crédito em dez vezes ou usar aquele perfume importado comprado na Riachuelo, C&A ou Havan? Pois é... vá trabalhar que o sistema é bruto. E não é comunista, é capitalista. 




Relembrando pra não esquecer nunca!

 



Amanhã, dia 31 de março de 2024, completará 60 anos do golpe Militar.

Como professora de História, não posso me calar.
Como diz a música de Chico e Gil, Cálice, "como beber dessa bebida amarga"?

- "Mas professora, já passou!"
Não, não passou e jamais passará!
A memória histórica torna "difícil acordar calada".
Ouvir pessoas enaltecendo o regime, ignorando a tortura, a censura e as mortes, faz emergir o "monstro da lagoa".
Não meus queridos. O regime militar não deve ser esquecido jamais e conclamo aos professores de história de todo o Brasil - os professores de verdade - a relembrar o golpe a semana inteira... a levar à sala de aula os testemunhos da tortura, das mortes, da miséria imposta à população menos favorecida. Relembrar os contrabandos feitos por policiais, os desvios bilionários de prefeitos, governadores, presidentes. Relembrar a "bebida amarga", que nos fazia "engolir a labuta" para enriquecer os "filhos da outra"... da outra "realidade menos morta..."
Ditadura Nunca mais! Mas que a memória histórica permaneça!



segunda-feira, 4 de abril de 2022

A DERROTA DO BOLSONARO E SEU CLÃ

 


Conversando outro dia com meu amigo, professor de filosofia e totalmente cético quanto a possibilidade de derrocada de Bolsonaro, fiz um apanhado das tendências políticas históricas deste país. Lembrei ao amigo de que, as mesmas forças que operam na ascensão ou derrocada de governos, está de saco cheio do bolsonaro. E com ele não será diferente. 


O ventríloquo não saiu como o esperado. Acabou por transformar um governo que deveria ser um laranja, em uma propriedade do seu clã. Pirracento, de poucos ouvidos, transformou a frágil relação internacional do Brasil com países estratégicos, em uma guerrinha de nervos, motivada pela ideologia patética de um conservadorismo de fazer vergonha aos conservadores de fato. Mobilizou um exército de lunáticos trapalhões que só pioram sua situação, ao passo em que os colocou como ministros, um bando de picaretas tão lunáticos quanto, acreditando que sendo "o seu governo" e "seus ministros" , as instituições também seriam "suas". Ledo engano. 

Declarações como "meu exército verde" causou repulsa até ao mais reacionário das forças armadas! Como assim, gente? "Meu exército"? 

A elite formada por industriais e comerciantes  se viram em apuros. Fuga de montadoras. Desemprego exorbitante. Nenhum investimento no setor produtivo. Escalada milionária nos gastos do governo. Pandemia. Morte. Diplomacia zero. Fim do Trump.  

O cara, influenciado pelo filho miliciano, articula golpe que é rejeitado pelo parlamento e ainda, leva pá de cal das forças armadas onde até seu vice assinala não haver a menor chance de ruptura institucional. 

Por outro lado, o presidente Lula, destinado a voltar a nos governar, ganha tanta força, que até aqueles que fritavam seu governo, voltaram atrás e reconheceram a merda que fizeram por ceder ao golpe. 

Bozo além de cair, vai ser sepultado por suas ações, suas palavras, seus gestos...
O legado de seu desgoverno serão os problemas que criou e agravou, mais um bando de lunáticos, religiosos e essa classe mérdia , verde amarela provinciana e que faz continência até pra caixa de cloroquina! 

Eu sei que tá foda.mas creiam...vai passar. 
Amanhã, vai ser outro dia...

LULA, o MERCADO e o discurso da "terceira via"...

 


Sobre análises de intelectuais que insistem em desconsiderar nossa cultura politica ao fazer considerações sobre as concessões de Lula ao mercado, 


Estas análises,  me perdoem a sinceridade, estão mais emotivas que práticas.  Tem também um pitada de ressentimento. 
Deveriam considerar, antes de tudo, nossa cultura politica, já que consideram o presidencialismo de coalizão.

Pois até os meus cachorrinhos, sabem que neste país, só se governa com tapinhas nas costas do centrão. 

Se Lula, em seus oito anos de governo, não o tivesse feito, não tivesse flertado ou cedido, não teria feito nenhum dos programas sociais e amplos , que fez. 

Desejar um candidato totalmente à esquerda no Brasil, é ser muito inocente. 
Desejar um candidato que vire as costas para o centro, e centrão (sabemos da existência dos dois) , é ingênuo demais. 

Nem Ciro Gomes, o candidato dos antipetistas  mornos, que ficam como gatos em cima de muro, teria a capacidade estratégica do Lula, que diáloga com todas as classes,  atende suas demandas e ainda consegue resgatar nossa credibilidade lá fora. 

A questão não é que Lula seja o único capaz ou que se "ache". A questão é que Não há outro! Não há! Estamos num contexto terrível e esse debate de "hegemonia petista" ou lulista chega a ser um desfavor. 
Esse debate deveria ocorrer pós queda de Bolsonaro! 

Lembrando que eleitores brasileiros não compreendem esta sua análise, em maioria. Salvo intelectuais, o restante da população não se aprofunda em nada! 

Que o grupinho que colocou Bozo lá , está para tirá-lo é fato! 
Que a mídia tem interesses em lula, fato. 

Mas fato também é que não há outra liderança política com habilidades e estratégias para política nacional e internacional, como Lula! 

Aceitem. Dói menos. 

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Apartidarismo? Neutralidade ideológica? Inexistência de esquerda ou direita?




Clamor por consensos em prol da coletividade? Não tomar posição no cenário Político?
Interessante esse discurso e até bem intencionado.
Mas é utopia pura. Muito mais utópico do que o discurso da “igualdade” da esquerda e a “liberdade” da direita.
Porque a história prova por a+b que os conflitos existentes entre os seres humanos de forma geral, é exatamente esta pluralidade de idéias, de leituras das idéias, de posição ideológica enfim de diversidades.
Mas então podem me perguntar: e esta polarização: esquerda x direita, não é uma espécie de atrofia de idéias?
Não! Porque ambas as posições têm fundamentadas idéias diversas que se identificam e alguns aspectos e acabam consolidando uma ou outra extremidade... e até os “centro” se atraem para a direita ou esquerda, em virtude dessa “identificação”!
Então, concluo que esses discursos bem intencionados, ficam evasivos demais, sem um fundamento lógico, quando o assunto é ser humano. E ficam vulneráveis a assumir posturas até bem mais radicais que “esquerda” ou “direita”, exatamente o que aconteceu em 2018, quando elegeram o Bolsonaro.
Temos é que cair na real, nos identificarmos com um dos lados e tomarmos posição nesta eterna “luta de classes”. Porque é sim uma luta de classes!

E se tratando do atual contexto onde a vida está em jogo,

é até possível enxergamos um binômio ideológico  e

dentro dele, identificarmos classes divergentes mas

que em virtude do grau de comprometimento da

 existência humana neste país, tiveram que se unir ,

para combater o radicalismo da extrema direita: pois temos

de um lado vários grupos divergentes 

ideologicamente, mas convergentes quanto a importância

da vida humana: os que querem vacina, saúde, 

segurança, alimento, justiça, acreditam na ciência  

e do outro: quem não se importa com nada disso, 

sequer consigo mesmo e sua família, ao passo

que fortalecem o discurso negacionista

 em relaçãoa luta contra a pandemia. 


Logo, desça do muro. Pare de graça. Assuma sua posição no binômio.
 Ou você se importa com a vida
                                            humana, seja sua ou também a dos outros... 
                                                    ou você não se importa com nada. 

Apenas quer fazer ouvir sua voz, seja ela para morte,
 miséria e destruição. Pois em cima do muro, você não está. 
 



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A segregação no espaço concreto e virtual determinada pelo mundo pós-moderno: Fortificações concretas e digitais



disponível em : https://www.revistaponte.org/post/pos-modernidade-segrega%C3%A7%C3%A3o-espa%C3%A7o-concreto-virtual

As representações sociais se constituem através das interações em sociedade, uma vez que  grupos humanos compartilham o  espaço e consequentemente, o modo de vida. Sendo assim, essas interações estão em constante movimento e podem modificar-se ou serem enriquecidas, contribuindo para que não se tornem hegemônicas, o que ocorre quando ao contrário, estão apoiadas em estereótipos cristalizados originados de leituras equivocadas ou ainda, como reflexos das transformações da modernidade.

            Considerando esta perspectiva, constata-se que a modernidade nos contemplou com o aprofundamento da luta de classes, quando se refere à dinâmica do sistema produtivo. Por outro lado, a pós-modernidade aprofundou a segregação social dos espaços (concreto e virtual) ao passo em que fortaleceu a individualização do  sujeito,  não no sentido de indivisível, mas no sentido da indiferença entre eles,  principalmente em relação aqueles que sobrevivem nos centros metropolitanos, onde a face do sistema capitalista se mostra muito mais claramente que em regiões interioranas.  Ou seja, as novas visões de mundo e representações sociais impostas pelo contexto pós-moderno, refletiu de forma contundente no processo das interações sociais dos grupos mais afetados pelas grandes transformações dos séculos XIX e XX.

Até mesmo os espaços públicos foram dando lugar a espaços segregados de maneira a promover o isolamento dos sujeitos, em todos os aspectos da dinâmica da vida em sociedade e as interações que se estabelecem a partir dela.  Lazer, trabalho, escola, enfim, a maioria das estruturas que promovem as interações sociais foi se diferenciando e se separando de acordo com as visões de mundo e representações sociais dos grupos que compõem a sociedade heterogênea do século XXI.

O capital ou o dinheiro, em nome da liberdade e individualidade, limitou as relações sociais e as conduziu através de valores que determinam o valor humano. A disputa por status está presente no estilo de vida pós-moderno e de forma mais intensa, nas grandes metrópoles.  O consumo de bens e a posição que estes ocupam no ranking da modernidade, é o fator de diferenciação em relação àqueles que são definidos por “bem comum, ultrapassado ou obsoleto”, sendo que na escala hierárquica, quanto mais modernos e atualizados estarão sempre uma posição acima dos outros.

De forma imperativa, a pós-modernidade se apresenta através da razão, em detrimento à emoção. Quanto mais lógico, pragmático, ordenado, sistemático, mais moderno e superior. As sensibilidades neste contexto tornaram-se improdutivas e desnecessárias, uma vez que limitam as dimensões e atrasa o progresso, uma das palavras-chaves do mundo moderno.

A globalização, uma das consequências do advento da internet, ocupou espaço nas transações comerciais de grandes mercados (os chamados mercados digitais) e sutilmente, passou também a ocupar  espaço nas  interações sociais a longa distância, através das chamadas “redes sociais”.  Atualmente, o mundo virtual paralelo ao mundo concreto, tomou dimensões ilimitadas no que se refere à comunicação em massa, alcançando milhares de pessoas em tempo real e determinando o tom do diálogo na política, na religião, na cultura, economia.

Ratificando ainda mais as tendências pós-modernas, a pandemia do século XXI acabou por oportunizar ao sistema a possibilidade de automatizar ainda mais as relações e os vínculos entre trabalhadores, familiares e amigos de modo a conduzir as interações através do uso das redes sociais e das tecnologias em prol do isolamento social. E neste recurso, apesar de ser globalizado e considerado democrático, existe a formação dos grupos e a polarização de ideias que se dão de maneira mais clara, sem que impedimentos morais limitem visões de mundo, suplantando  até mesmo o que é considerado como consenso universal em direitos humanos, no mundo civilizado.

Formam-se comunidades e grupos que se identificam em algum aspecto ao passo que excluem aqueles que não se enquadram no perfil desejado.  Neste mundo virtual, é possível existir ataques e defesas, desmoralização e enaltecimento de figuras emblemáticas, divulgação de fatos verídicos e por outro lado, mentiras deflagradas com o propósito de confundir pessoas menos esclarecidas. Enfim, é como um mundo paralelo ao mundo concreto, polarizado, segregado, fragmentado, sob a alcunha da globalização, ou universalização da comunicação.

Há ainda a sensação de segurança, pois apesar da interação ocorrer, por ser em espaço virtual, o usuário acredita se resguardar da realidade pungente que no mundo real, concreto, não há como escapar com um bloqueio ou exclusão. Enfim, o mundo virtual pode ser comparado a uma espécie de “solidão acompanhada”, uma vez que apesar das interações sociais ocorrerem, existe a linha tênue entre os usuários, que é o aparelho, uma espécie de fortificação digital, como um muro de proteção entre a realidade concreta e o mundo virtual.

No entanto, quando se fala em segregação de espaço, fato é que muito antes das redes sociais se popularizarem e da pandemia acontecer, o sujeito pós-moderno já se encontrava solitário em meio a uma multidão de semelhantes. Na atualidade, toda a cadeia que lhe confere o status de ser social, contribui para este isolamento. Até mesmo o próprio planejamento urbanístico das grandes metrópoles reforça o fenômeno isolacionista.

A capital mineira, por exemplo, é o resultado de um projeto moderno onde a estrutura viária foi projetada como “veias e artérias” CALDEIRA (1997), otimizando o fluxo e centralizando os serviços na região central. Pela proposta, percebe-se que a cidade foi projetada para os funcionários públicos do Estado, pois a maioria dos espaços de lazer e trabalho possui ligação com as áreas reservadas a esta classe de pessoas. Porém, com o passar dos anos e sem uma política de acolhimento das famílias de baixa renda que trabalhavam na cidade e usavam todos os serviços públicos ali concentrados, passaram a estabelecer em seu entorno, inúmeras moradias de forma irregular. Foi então que a partir da década de 1970, com a expansão do espaço periférico em consequência da iniciativa de reformulação da capital belorizontina, tais famílias foram sumariamente “empurradas” para a região metropolitana, nas cidades vizinhas, inclusive históricas. Foram construídos para tanto, conjuntos habitacionais e loteamento de grandes áreas em acordo com as prefeituras daquelas cidades. Ou seja, o espaço urbano das grandes metrópoles, não foi projetado para as grandes aglomerações, para o intenso fluxo de trabalhadores assalariados, tão pouco para a interação social entre os variados grupos. A despeito disto, o aumento populacional e a falta de políticas de regulamentação e distribuição do espaço, na maioria das vezes submissa à especulação imobiliária, gerou o que CALDEIRA (1997) define como “segregação urbana”, consequência da criação de “enclaves fortificados”.

Estes enclaves, de acordo com a autora, são fenômenos que ocorreram em grandes cidades como São Paulo, por exemplo, que em virtude do processo de globalização, centralizaram na cidade os polos de transações comerciais e financeiras, em detrimento às regiões fabris que se destacavam até a década de 1980. O resultado foi a transformação urbanística que levou ao surgimento de cortiços e favelas, estabelecidos em fábricas e casas abandonadas e que segundo a autora, é uma das  causas da segregação do espaço urbano. Segregação que se consolida através do surgimento de condomínios como alternativa para separação das classes, os quais se estabelecem em áreas estratégicas, mas de maneira isolada, pois dentro deles encontram-se grande parte da rede de suprimentos para atendimento da demanda dos seus moradores. Demandas estas, relacionadas à suas próprias expectativas culturais, familiares, profissionais e a todos os outros aspectos que determinam seu posicionamento como ser social, como afirma SIMMEL (1973, p.13) ao se referir às mentalidades que se manifestam no estilo de vida pós-moderno, metropolitano:

“- pode-se deixar cair um fio de prumo para o interior das profundezas do psiquismo de tal modo que as exterioridades mais banais da vida estão em ultima análise, ligadas às decisões concernentes ao significado e estilo de vida”.

Portanto, a segregação do espaço, seja no mundo virtual, seja no mundo concreto, é a realidade do mundo pós-moderno. Em consequência, o ser social transformou-se em um ser solitário, que interage de forma autômata com seus grupos, obedecendo à lógica do sistema que determina seu estilo de vida de forma que este se sinta parte da sociedade. O sujeito está só, rodeado de uma multidão que ironicamente, também está. 

O mundo pós-moderno é um mundo de separações. Os sujeitos se identificam por seu modo de vida e ali estabelecem uma espécie de comunidade que coexiste com outras comunidades dentro de uma sociedade. Existem as comunidades dos trabalhadores os quais buscam sobreviver com o mínimo de dignidade, transitando entre os espaços públicos buscando apropriar-se deles, mas na maioria das vezes, sem sucesso. Existem as comunidades daqueles com maior poder aquisitivo, os quais criam seus próprios espaços, dentro do espaço público de modo a proteger-se daqueles que não se identificam com seu modo de vida e, portanto, não podem transitar em seus “territórios”, o que é garantido com segurança própria e apoio da segurança pública, em nome da lei e da ordem.

Existem também aquelas comunidades alternativas invisíveis para o Estado e para as comunidades abastadas, mas sempre presente como mão-de-obra a ser explorada. São as favelas, os cortiços, os sem teto.

Por fim, as cidades e as redes trazem consigo uma espécie de mosaico de povos, os quais buscam sobreviver em meio à dinâmica do sistema e as transformações constantes e que se impõe sobre o modo de vida da sociedade. E este modo de vida, tanto no mundo virtual quanto concreto, apropria-se da alteridade para a segregação, para o isolamento e exclusão do que é diferente, transformando sociedades em um conjunto de comunidades ou grupos rivais, polarizados e indiferentes àquilo que os torna semelhantes: a própria humanidade.

 

Autora: Marcia Fernandes da Cunha

Graduada em História e Mestranda em Educação e Docência pela FAE/UFMG

Artigo disponível em: https://www.revistaponte.org/post/pos-modernidade-segrega%C3%A7%C3%A3o-espa%C3%A7o-concreto-virtual

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 


AUGÉ, Marc. Não-Lugares: uma antropologia da supermodernidade. São Paulo: Papirus, 1996.

CALDEIRA; Teresa; Enclaves Fortificados: a nova segregação urbana; Março; 1997

LEFEVBRE, Henry. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2006.

MARICATO, Erminia; Para entender a Crise Urbana; 1º ed., Ed. Expressão Popular; São Paulo; 2015

OLIVEIRA; Claudio Márcio; Deslocamento de trabalhadores em Belo Horizonte; elementos para pensar a educação na forma de acesso à cidade;2011.

SILVA, T. T. . Identidade e diferença: impertinências. Educação e Sociedade, São Paulo (SP), n.79, cap.2, 2002.

terça-feira, 29 de junho de 2021

A Hecatombe brasileira, Parte II - A morte e ressurreição de Lázaro.

 


    Mataram o Lázaro de novo. Só que desta vez, o Lázaro havia se transformado em serial Killer, em psicopata e até “macumbeiro” como diziam. Encontraram indícios de rituais satânicos na mata, segundo a polícia.  Mas, não adiantou.  Mataram o Lázaro de novo.

    E vão continuar matando os Lázaros, porque ele só serve para um propósito: fazer o serviço sujo.  Isso mesmo. E quem faz o serviço sujo, sempre leva a pior.

    Escolhem o Lázaro a dedos. Geralmente alguém sem estrutura familiar, sem cultura, sem empatia, sem condições de vida. Geralmente, alguém que não tenha nada a perder. Mesmo que tenha, o Lázaro geralmente acredita que não.

    E ele vai e faz o serviço sujo por algum dinheiro e continua fazendo, até que o matem.

    Mas o Lázaro, como diz a Bíblia, sempre ressuscita. E o serviço sujo continua.

    A polícia brasileira não quer saber quem é Lázaro, nem a mando de quem ele mata. A polícia só quer matar o Lázaro, porque a polícia brasileira, só sabe matar.

    Infelizmente, a realidade é que nossa polícia não tem a menor capacidade ou preparo para aprofundar em questões básicas sobre a vida de Lázaro, sua missão, suas ações, seu trabalho, seus patrões. E o pior, na maioria das vezes essa mesma polícia, também possui outros Lázaros em sua corporação, com outros nomes, mas milicianos e matadores de aluguel, iguais.

    Tem o caso do Lázaro já morto e ressuscitado, andando em bando de Lázaros, matando os índios Guarani Kaiowá, em 1953, lá no Mato Grosso do Sul! E continuou matando até que em 2011, dizimou quase uma tribo inteira! E seguiu matando família de pequenos agricultores cuja terra importa muito ao agronegócio. O Lázaro invade, mata famílias à machadada, a facão, à tiro de pistola. Enfim, ele mata.

    E foi morto de novo pela polícia. Porque sempre que ele compromete seus patrões, a ordem é matar. Mas quanta ironia, ele ressuscita rapidinho e continua “aterrorizando as famílias do interior”.

    Interessante é que a sociedade brasileira, assim como eles, tanto Lázaro quanto seus patrões e a polícia, não se satisfazem com o sangue derramado. a sociedade e a polícia até ficam consternados pelas famílias mortas por Lázaro, mas quando têm a chance de ver o corpo dele cravado por “trocentas” balas, batem palmas e se sentem aliviados, pois Lázaro morreu. Agora estão felizes.

    Só não conseguem nunca e jamais vão conseguir compreender como funciona essa história do Lázaro. Não sei se por ingenuidade, por ignorância, ou por omissão. Pois continuam fechando os olhos para o óbvio,  batendo palma para a polícia assassina e omissa e em alguns casos até cúmplice, quando esta lhes oferece o corpo perfurado do Lázaro, ou aquele sem cabeça do Lázaro travestido de Lampião, dizendo que o problema acabou. Podem dormir tranquilos.

 Pois é. Mas, logo, logo, ele ressuscita e teremos espetáculo de novo.

 Aguardemos.