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As
representações sociais se constituem através das interações em sociedade, uma
vez que grupos humanos compartilham
o espaço e consequentemente, o modo de
vida. Sendo assim, essas interações estão em constante movimento e podem
modificar-se ou serem enriquecidas, contribuindo para que não se tornem
hegemônicas, o que ocorre quando ao contrário, estão apoiadas em estereótipos
cristalizados originados de leituras equivocadas ou ainda, como reflexos das
transformações da modernidade.
Considerando esta perspectiva,
constata-se que a modernidade nos contemplou com o aprofundamento da luta de
classes, quando se refere à dinâmica do sistema produtivo. Por outro lado, a pós-modernidade
aprofundou a segregação social dos espaços (concreto e virtual) ao passo em que
fortaleceu a individualização do sujeito,
não no sentido de indivisível, mas no
sentido da indiferença entre eles, principalmente em relação aqueles que
sobrevivem nos centros metropolitanos, onde a face do sistema capitalista se
mostra muito mais claramente que em regiões interioranas. Ou seja, as novas visões de mundo e
representações sociais impostas pelo contexto pós-moderno, refletiu de forma
contundente no processo das interações sociais dos grupos mais afetados pelas
grandes transformações dos séculos XIX e XX.
Até mesmo os espaços públicos foram dando
lugar a espaços segregados de maneira a promover o isolamento dos sujeitos, em
todos os aspectos da dinâmica da vida em sociedade e as interações que se
estabelecem a partir dela. Lazer,
trabalho, escola, enfim, a maioria das estruturas que promovem as interações
sociais foi se diferenciando e se separando de acordo com as visões de mundo e
representações sociais dos grupos que compõem a sociedade heterogênea do século
XXI.
O capital ou o dinheiro, em nome da liberdade
e individualidade, limitou as relações sociais e as conduziu através de valores
que determinam o valor humano. A disputa por status está presente no estilo de
vida pós-moderno e de forma mais intensa, nas grandes metrópoles. O consumo de bens e a posição que estes
ocupam no ranking da modernidade, é o fator de diferenciação em relação àqueles
que são definidos por “bem comum, ultrapassado ou obsoleto”, sendo que na
escala hierárquica, quanto mais modernos e atualizados estarão sempre uma
posição acima dos outros.
De forma imperativa, a pós-modernidade se
apresenta através da razão, em detrimento à emoção. Quanto mais lógico,
pragmático, ordenado, sistemático, mais moderno e superior. As sensibilidades
neste contexto tornaram-se improdutivas e desnecessárias, uma vez que limitam as
dimensões e atrasa o progresso, uma das palavras-chaves do mundo moderno.
A globalização, uma das consequências do
advento da internet, ocupou espaço nas transações comerciais de grandes mercados
(os chamados mercados digitais) e sutilmente, passou também a ocupar espaço nas interações sociais a longa distância, através
das chamadas “redes sociais”. Atualmente, o mundo virtual paralelo ao mundo
concreto, tomou dimensões ilimitadas no que se refere à comunicação em massa,
alcançando milhares de pessoas em tempo real e determinando o tom do diálogo na
política, na religião, na cultura, economia.
Ratificando ainda mais as tendências pós-modernas,
a pandemia do século XXI acabou por oportunizar ao sistema a possibilidade de
automatizar ainda mais as relações e os vínculos entre trabalhadores,
familiares e amigos de modo a conduzir as interações através do uso das redes
sociais e das tecnologias em prol do isolamento social. E neste recurso, apesar
de ser globalizado e considerado democrático, existe a formação dos grupos e a
polarização de ideias que se dão de maneira mais clara, sem que impedimentos morais
limitem visões de mundo, suplantando até
mesmo o que é considerado como consenso universal em direitos humanos, no mundo
civilizado.
Formam-se comunidades e grupos que se
identificam em algum aspecto ao passo que excluem aqueles que não se enquadram
no perfil desejado. Neste mundo virtual,
é possível existir ataques e defesas, desmoralização e enaltecimento de figuras
emblemáticas, divulgação de fatos verídicos e por outro lado, mentiras
deflagradas com o propósito de confundir pessoas menos esclarecidas. Enfim, é
como um mundo paralelo ao mundo concreto, polarizado, segregado, fragmentado,
sob a alcunha da globalização, ou universalização da comunicação.
Há ainda a sensação de segurança, pois apesar
da interação ocorrer, por ser em espaço virtual, o usuário acredita se
resguardar da realidade pungente que no mundo real, concreto, não há como escapar
com um bloqueio ou exclusão. Enfim, o mundo virtual pode ser comparado a uma
espécie de “solidão acompanhada”, uma vez que apesar das interações sociais
ocorrerem, existe a linha tênue entre os usuários, que é o aparelho, uma
espécie de fortificação digital, como um muro de proteção entre a realidade
concreta e o mundo virtual.
No entanto, quando se fala em segregação de
espaço, fato é que muito antes das redes sociais se popularizarem e da pandemia
acontecer, o sujeito pós-moderno já se encontrava solitário em meio a uma
multidão de semelhantes. Na atualidade, toda a cadeia que lhe confere o status
de ser social, contribui para este isolamento. Até mesmo o próprio planejamento
urbanístico das grandes metrópoles reforça o fenômeno isolacionista.
A capital mineira, por exemplo, é o resultado
de um projeto moderno onde a estrutura viária foi projetada como “veias e
artérias” CALDEIRA (1997), otimizando o fluxo e centralizando os serviços na
região central. Pela proposta, percebe-se que a cidade foi projetada para os
funcionários públicos do Estado, pois a maioria dos espaços de lazer e trabalho
possui ligação com as áreas reservadas a esta classe de pessoas. Porém, com o
passar dos anos e sem uma política de acolhimento das famílias de baixa renda
que trabalhavam na cidade e usavam todos os serviços públicos ali concentrados,
passaram a estabelecer em seu entorno, inúmeras moradias de forma irregular. Foi
então que a partir da década de 1970, com a expansão do espaço periférico em
consequência da iniciativa de reformulação da capital belorizontina, tais
famílias foram sumariamente “empurradas” para a região metropolitana, nas
cidades vizinhas, inclusive históricas. Foram construídos para tanto, conjuntos
habitacionais e loteamento de grandes áreas em acordo com as prefeituras
daquelas cidades. Ou seja, o espaço urbano das grandes metrópoles, não foi
projetado para as grandes aglomerações, para o intenso fluxo de trabalhadores
assalariados, tão pouco para a interação social entre os variados grupos. A
despeito disto, o aumento populacional e a falta de políticas de regulamentação
e distribuição do espaço, na maioria das vezes submissa à especulação
imobiliária, gerou o que CALDEIRA (1997) define como “segregação urbana”,
consequência da criação de “enclaves fortificados”.
Estes enclaves, de acordo com a autora, são
fenômenos que ocorreram em grandes cidades como São Paulo, por exemplo, que em
virtude do processo de globalização, centralizaram na cidade os polos de
transações comerciais e financeiras, em detrimento às regiões fabris que se
destacavam até a década de 1980. O resultado foi a transformação urbanística
que levou ao surgimento de cortiços e favelas, estabelecidos em fábricas e
casas abandonadas e que segundo a autora, é uma das causas da segregação do espaço urbano. Segregação
que se consolida através do surgimento de condomínios como alternativa para
separação das classes, os quais se estabelecem em áreas estratégicas, mas de
maneira isolada, pois dentro deles encontram-se grande parte da rede de
suprimentos para atendimento da demanda dos seus moradores. Demandas estas,
relacionadas à suas próprias expectativas culturais, familiares, profissionais
e a todos os outros aspectos que determinam seu posicionamento como ser social,
como afirma SIMMEL (1973, p.13) ao se referir às mentalidades que se manifestam
no estilo de vida pós-moderno, metropolitano:
“- pode-se deixar cair um fio de prumo para o
interior das profundezas do psiquismo de tal modo que as exterioridades mais
banais da vida estão em ultima análise, ligadas às decisões concernentes ao
significado e estilo de vida”.
Portanto, a segregação do espaço, seja no
mundo virtual, seja no mundo concreto, é a realidade do mundo pós-moderno. Em
consequência, o ser social transformou-se em um ser solitário, que interage de
forma autômata com seus grupos, obedecendo à lógica do sistema que determina
seu estilo de vida de forma que este se sinta parte da sociedade. O sujeito está
só, rodeado de uma multidão que ironicamente, também está.
O mundo pós-moderno é um mundo de separações.
Os sujeitos se identificam por seu modo de vida e ali estabelecem uma espécie
de comunidade que coexiste com outras comunidades dentro de uma sociedade.
Existem as comunidades dos trabalhadores os quais buscam sobreviver com o
mínimo de dignidade, transitando entre os espaços públicos buscando
apropriar-se deles, mas na maioria das vezes, sem sucesso. Existem as
comunidades daqueles com maior poder aquisitivo, os quais criam seus próprios
espaços, dentro do espaço público de modo a proteger-se daqueles que não se
identificam com seu modo de vida e, portanto, não podem transitar em seus
“territórios”, o que é garantido com segurança própria e apoio da segurança
pública, em nome da lei e da ordem.
Existem também aquelas comunidades
alternativas invisíveis para o Estado e para as comunidades abastadas, mas
sempre presente como mão-de-obra a ser explorada. São as favelas, os cortiços,
os sem teto.
Por fim, as cidades e as redes trazem consigo
uma espécie de mosaico de povos, os quais buscam sobreviver em meio à dinâmica
do sistema e as transformações constantes e que se impõe sobre o modo de vida
da sociedade. E este modo de vida, tanto no mundo virtual quanto concreto,
apropria-se da alteridade para a segregação, para o isolamento e exclusão do
que é diferente, transformando sociedades em um conjunto de comunidades ou grupos
rivais, polarizados e indiferentes àquilo que os torna semelhantes: a própria
humanidade.
Autora: Marcia Fernandes da Cunha
Graduada em História e Mestranda em Educação e Docência pela FAE/UFMG
Artigo disponível em: https://www.revistaponte.org/post/pos-modernidade-segrega%C3%A7%C3%A3o-espa%C3%A7o-concreto-virtual
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CALDEIRA; Teresa; Enclaves Fortificados: a
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